É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer- -se disso segundo a necessidade. Deixando de parte, pois, as coisas ignoradas relativamente aos príncipes e falando a respeito das que são reais, digo que todos os homens, máxime os príncipes, por estarem mais no alto, se fazem notar através das qualidades que lhes acarretam reprovação ou louvor. Isto é, alguns são tidos como liberais, outros como miseráveis; alguns são tidos como pródigos, outros como rapaces; alguns são cruéis e outros piedosos; perjuros ou leais; efeminados e pusilânimes ou truculentos e animosos; humanitários ou soberbos; lascivos ou castos; estúpidos ou astutos; enérgicos ou indecisos; graves ou levianos; religiosos ou incrédulos, e assim por diante. E eu sei que cada qual reconhecerá que seria muito de louvar que um príncipe possuísse, entre todas as qualidades referidas, as que são tidas como boas; mas a condição humana é tal, que não consente a posse completa de todas elas, nem ao menos a sua prática consistente; é necessário que o príncipe seja tão prudente que saiba evitar os defeitos que lhe arrebatariam o governo e praticar as qualidades próprias para lhe assegurar a posse deste, se lhe é possível; mas, não podendo, com menor preocupação, pode-se deixar que as coisas sigam seu curso natural.
(Maquiavel. O Príncipe, 1983. Adaptado.)
Identifique, exemplificando com passagens do texto, a concepção de Maquiavel acerca da maneira como o governante deve se comportar. Indique dois elementos, presentes ou não no texto, que permitam associar o pensamento de Maquiavel à visão de mundo dos humanistas.
Maquiavel defende que o comportamento do governante deve se pautar tendo em vista o poder sobre o Estado. Isso significa que o mais importante para o príncipe não é possuir as virtudes clássicas e, sim, conquistar ou manter o governo. Mas na sua concepção, será fundamental ao governante ser mau, de forma a que saiba agir dessa maneira se necessário.
Ainda que numa leitura original, a consideração da virtude, ou virtú, como mote central da análise política aproxima Maquiavel do pensamento humanista, que via na constelação de virtudes ideais um guia de comportamento para o governante. Além disso, Maquiavel associa-se ao humanismo por afirmar a liberdade de ação do governante frente à fortuna, em oposição à tradição, que considerava essencial a ele ser bem-afortunado.
Ainda que numa leitura original, a consideração da virtude, ou virtú, como mote central da análise política aproxima Maquiavel do pensamento humanista, que via na constelação de virtudes ideais um guia de comportamento para o governante. Além disso, Maquiavel associa-se ao humanismo por afirmar a liberdade de ação do governante frente à fortuna, em oposição à tradição, que considerava essencial a ele ser bem-afortunado.