(UNESP - 2018) - QUESTÃO

Se um estranho chegasse de súbito a este mundo, eu poderia exemplificar seus males mostrando-lhe um hospital cheio de doentes, uma prisão apinhada de malfeitores e endividados, um campo de batalha salpicado de carcaças, uma frota naufragando no oceano, uma nação desfalecendo sob a tirania, fome ou pestilência. Se eu lhe mostrasse uma casa ou um palácio onde não houvesse um único aposento confortável ou aprazível, onde a organização do edifício fosse causa de ruído, confusão, fadiga, obscuridade, e calor e frio extremados, ele com certeza culparia o projeto do edifício. Ao constatar quaisquer inconveniências ou defeitos na construção, ele invariavelmente culparia o arquiteto, sem entrar em maiores considerações.
(David Hume. Diálogos sobre a religião natural, 1992. Adaptado.)

a) Explicite o tema filosófico abordado no texto e sua relação com a criação do mundo.

b) Explique como os argumentos do filósofo evidenciam um ponto de vista empirista (fundamentado na experiência) e cético (baseado na dúvida), em contraste com uma concepção metafísica sobre o tema.

➥ Resposta(s) comentada(s):                                                                                                     

a) O texto aborda o tema da correção entre obra e criador. Se um estranho fosse apresentado a problemas de uma construção, ele apontaria para o culpado criador, por exemplo.

Quanto à criação do mundo esse argumento é conhecido como teleológico ou do "design" inteligente. Ele pode ser descrito como: "se existe ordem no nosso mundo, portanto houve um criador inteligente", normalmente identificado como uma divindade perfeita.

b) O texto evidencia um ponto de vista empirista ao descrever como, a partir de determinadas experiências, chega-se a conclusões, como a da culpa do arquiteto. Pensando na filosofia de Hume, esse procedimento será alvo de uma crítica cética, no sentido de mostrar os limites do saber empírico. Hume critica a consistência de argumentos de causalidade, apontando que a correlação entre causa e feito em dados da experiência não tem caráter necessário, sendo apenas um hábito. Nesse sentido, por exemplo, a ordem do mundo (efeito) não pode ser necessariamente ligada a um criador inteligente (causa). Isso atinge a concepção metafísica sobre o tema porque, além de depender do caráter necessário da causalidade, a tradição metafísica apresentou diversas versões do argumento do "design inteligente", desde a Grécia Antiga e até a Modernidade.

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