O poema abaixo é de autoria de Manoel de Barros e foi
publicado no Livro sobre nada, de 1996.
“A ciência pode classificar e nomear todos os órgãos
de um sabiá mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam”.
(Manoel de Barros. Livro sobre nada.
Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 53.)
a) No poema há uma estrutura típica de provérbios com
uma finalidade crítica. Aponte duas características
dessa estrutura.
b) Considerando que o poeta joga com os sentidos do
verbo “adivinhar” e da sua raiz latina divinare,
justifique o neologismo usado no último verso.
a) O verso do poema que apresenta a estrutura de
um provérbio é o terceiro: “Quem acumula muita
informação perde o condão de adivinhar: divinare”. Daí formar-se por frase curta, sintética e
sugestiva, com verbos no presente do indicativo
(presente atemporal), formulação de um princípio
de conduta, além do jogo sonoro, que no caso
ocorre na rima interna entre “informação e
“condão”. Como outros provérbios, o pronome in -
definido “quem” generaliza o receptor, enquanto
o conteúdo da mensagem sugere procedimento
moral, visto pelo autor como válido para todos: a
sensibilidade deve sobrepor-se à racionalidade.
b) Manuel de Barros cria o neologismo “divinam” a
partir do verbo adivinhar e de sua raiz latina
“divinare”. A forma verbal “divinare”, conferida
aos sabiás, reúne o sentido de adivinha ao significado de divino, cujo campo semântico evidencia
“dom, virtude especial”, ideia já sugerida em
“encantos” e “condão”. Assim, o poeta reconhece
no sabiá encantos inexplicáveis pela ciência.